INTERVENÇÃO EM AUTISMO DEVE SER MULTIDISCIPLINAR OU ABA?

Pais com filhos com Transtorno do Espectro Autista vivem muitas dúvidas entre “Método ABA” e outros tratamentos. A base desta dúvida é um entendimento equivocado do que seja a Análise do Comportamento Aplicada, apresentada como se fosse o tal Método ABA.

Há dois aspectos que precisamos elucidar para desenvolver bem esta temática, com foco em resultados de pesquisa: O que é uma intervenção baseada em ABA e qual é a diferença entre intervenção multidisciplinar e eclética.

O que é uma intervenção baseada em ABA?

A ideia do senso comum é que as pessoas deveriam optar entre uma intervenção multidisciplinar OU uma outra com ABA, ou seja, ou uma intervenção com Fonoaudióloga, Terapeuta Ocupacional, Psicóloga (escrevo no feminino porque neste contexto a presença masculina é a exceção), entre outros OU uma com Analista do Comportamento, que trabalharia o tal Método ABA. Mas a verdade é que a Análise do Comportamento Aplicada – ABA, é uma ciência e não um método, não existe Método ABA, e isso faz toda a diferença.

A ciência da Análise do Comportamento Aplicada – ABA é a base conceitual das intervenções que mais funcionam, conforme as pesquisas de todo o mundo, para pessoas com Transtorno do Espectro Autista – TEA, Deficiência Intelectual e outros Transtornos e Atrasos no Desenvolvimento e estamos falando de intervenções nos vários domínios do desenvolvimento, como comunicação, autocuidado, agressividade, desenvolvimento pedagógico e todos os demais. Mas como fazer isso sem aquele conjunto de profissionais?

Esta é justamente a questão. Uma intervenção baseada em ABA pressupõe uma equipe multidisciplinar, em que se tenha profissionais com várias formações de origem e com formação também em Análise do Comportamento Aplicada, não é baseada em nenhum Método ABA, mas é um conjunto de princípios aplicáveis às intervenções de todos os profissionais, assim, a intervenção se torna interdisciplinar, o que é ainda mais integrado.

Como seria isso, operacionalmente? A Acesse ABA e qualquer outra equipe de intervenção comportamental funciona assim, quando uma criança para a ser atendida, ela é primeiramente avaliada, esta avaliação normalmente é bastante ampla e abrange aspectos diversos como o da comunicação, autocuidado, agressividade, entre outros. Os vários profissionais da equipe, Fonoaudióloga, Terapeuta Ocupacional, Psicóloga, Pedagoga, entre outros, todas com formação também em Análise do Comportamento Aplicada, irão se debruçar sobre esta avaliação e definir objetivos de ensino e programas de ensino para todas as habilidades, de todos esses domínios.

Ou seja, uma intervenção que seja baseada em ABA não utiliza um método específico, mas os vários métodos, que podem ser advindos de todos os campos de intervenção em todas as áreas, mas que adotam os princípios comportamentais como norte, permitindo a integração orgânica de todos estes profissionais em uma intervenção global com uma criança com Transtorno do Espectro Autista – TEA, Deficiência Intelectual e outros Transtornos e Atrasos no Desenvolvimento e estamos falando de intervenções nos vários domínios do desenvolvimento.

Isto quer dizer, portanto, que é falsa a ideia de a pessoa precise escolher entre uma intervenção de múltiplos profissionais e uma intervenção baseada em ABA, pelo contrário, uma boa intervenção baseada em ABA é interdisciplinar.

É preciso considerar que trabalhos multidisciplinares são muito difíceis de serem realizados porque há muitas visões diferentes dos fenômenos e estratégias, mas quando todos partem dos mesmos pressupostos comportamentais, é possível organizar esta orquestra de diversos saberes de origem em uma sinfonia harmônica, em que cada um dispõe sobre o campo em que domina, sem com isso entrar em conflito com outros membros da equipe.

Qual é a diferença entre intervenção multidisciplinar e eclética?

A base da confusão que estamos aqui tentando desenrolar é entre intervenção multidisciplinar e intervenção eclética, que são coisas absolutamente diferentes, mas que confundem a maioria dos profissionais e quanto mais os pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista – TEA, Deficiência Intelectual e outros Transtornos e Atrasos no Desenvolvimento.

Então vamos lá, tentar explicar da maneira mais didática possível:

2.1. Multidisciplinar – é uma expressão que descreve a presença de vários profissionais em uma intervenção, vindos de diferentes trajetórias de formação profissional. Por exemplo, uma equipe que tenha uma pessoa que fez a faculdade de Fonoaudiologia, uma outra que tenha feito Psicologia, outra formada em Pedagogia e mais uma que se formou em Terapia Ocupacional.

É claro que estas pessoas, com diferentes histórias de formação, vão atuar também cada qual de uma forma. O mais comum é que os pais contratem diferentes profissionais com essas formações distintas e levem seus filhos a todos eles. Também não é incomum que eles atuem em uma mesma clínica e a criança vá passando de sala em sala, conforme uma agenda de terapias.

No caso de uma intervenção baseada em ABA esses profissionais discutem coletivamente os casos e o currículo do grupo e quando uma criança é avaliada, eles definem, considerando os aspectos interdisciplinares, as decisões a serem tomadas e uma pessoa é treinada para implementar os programas de todas as áreas. Em casos em que haja intervenções que necessitam de uma execução técnica específica de uma profissão, por exemplo, uma intervenção em Apraxia chamada PROMPT, que precisa da execução da própria Fonoaudióloga, uma intervenção em um movimento fino complexo que precise da própria Terapeuta Ocupacional, entre muitas outras que estas e outras profissões técnicas adicionam a um processo terapêutico rico e complexo.

Portanto, a maior parte dos programa de ensino de uma criança com Transtorno do Espectro Autista – TEA, Deficiência Intelectual e outros Transtornos e Atrasos no Desenvolvimento em uma intervenção baseada em ABA é realizada por aplicador, comumente chamado de Acompanhante Terapêutico, que é o centro de execução do planejamento de múltiplos profissionais, que produzem uma intervenção mais integrada, cuja melhor maneira de nomear é como interdisciplinar.

Intervenção eclética

Na descrição que acabamos de fazer de uma intervenção interdisciplinar baseada em ABA, a integração de todas as profissões em um mesmo corpo de programas que compõem o currículo individual exige que todos os profissionais estejam afinados teoricamente, pois do contrários eles poderiam gastar muita energia e tempo da criança buscando objetivos repetidos, poderiam também propor coisas opostas, o que faria com que a criança não aprendesse.

Mas como organizar esta afinação se cada um vem de um universo conceitual totalmente distinto? Este é o papel da Análise do Comportamento Aplicada, oferecer um marco conceitual capaz de agregar as várias experiências profissionais distintas, evitando assim os problemas descritos, como o desperdício e a contradição.

Mas não explicamos ainda a intervenção eclética. Pois bem, ela ocorre naqueles exemplos dados no item anterior, quando os pais fazem um mosaico de terapias indo a diferentes profissionais. No entanto, mesmo quando as terapias são feitas em uma mesma clínica ou centro de atendimento, quando não há uma linha única adotada, o que se tem são intervenções múltiplas, de natureza eclética.

Funciona assim, os pais levam o filho à Psicóloga, ela faz primeiramente uma anamnese e depois uma avaliação da criança, com seus protocolos específicos da área, o mesmo acontece na Terapeuta Ocupacional, na Fonoaudióloga, na Pedagoga e assim por diante. Cada uma delas estabelece um plano de trabalho e o desenvolve em encontros normalmente semanais, buscando os objetivos que determinou.

No entanto, temos inúmeros problemas nesta abordagem:

  1. Cada área tem seu foco, mas muitas coisas são comuns, por exemplo, o brincar social, que é uma atividade de comunicação (Fono), uma estimulação do brincar (TO) e uma atividade social (Psico), então podemos adotar objetivos repetidos e investir mais tempo em uma área e deixar outras descobertas.
  2. O tratamento dado a comportamentos difíceis é um dos maiores desafios pois enquanto um profissional decide ignorar, outra decide corrigir, outra redirecionar e ou dar reforço diferencial, com esta dinâmica, é natural que o comportamento não só não diminua, como se fortaleça, tornando-se um desafio em todas as ocasiões.
  3. A intervenção neste modelo fica extremamente cara, pois são os próprios profissionais que aplicam, que possuem um valor condizente com sua formação, o que é diferente de uma aplicação por um AT.
  4. Nenhuma dessas diferentes formas específicas de intervenção, fora da perspectiva da Análise do Comportamento Aplicada – ABA, conseguiu demonstrar evidência de que sejam realmente eficazes³.

Dito tudo isso, cabe um comentário pertinente e decisivo sobre isso. Até agora, tentando apresentar o tema de forma didática, não citamos dados científicos. Portanto, pode haver a impressão de que se trata de mera opinião ou um discurso comercial, mas na verdade este é um conhecimento bastante bem estabelecido cientificamente, com experimentos que compararam crianças com intervenção multidisciplinar eclética e crianças em intervenção interdisciplinar baseada em ABA, com 30h de implementação, ambas.

Considere como Grupo 1 o que faz uma intervenção baseada em ABA e o Grupo 2 o que faz uma intervenção eclética, vejamos os resultados.

Lembrando que uma pesquisa científica experimental, como esta, para que seus resultados sejam confiáveis, necessita de um bom delineamento de pesquisa e de replicações, procurando chegar aos mesmos resultados e esta pesquisa atendeu a estes dois critérios, com um delineamento de grupo experimental e controle randomizado e replicações como a de Howard e colaboradores, de 2014 ².

Por dados como esses, fica claro que o ideal é sim uma intervenção interdisciplinar, mas que não seja eclética, mas que possua uma dinâmica em torno da Análise do Comportamento Aplicada – ABA, não como Método ABA, mas como unidade teórica, com princípios científicos bem estabelecidos.

Autor: Lucelmo Lacerda é Doutor em Educação pela PUC-SP, Pesquisador de Pós-Doutoramento na UFSCar, Psicopedagogo e autor do livro “Transtorno do Espectro Autista: uma brevíssima introdução”

¹  Eikeseth, S., Smith, T., Jahr, E., & Eldevik, S. (2002). Intensive Behavioral Treatment at School for 4- to 7-Year-Old Children with Autism: A 1-Year Comparison Controlled Study. Behavior Modification, 26(1), 49–68.

² Howard, J. S., Sparkman, C. R., Cohen, H. G., Green, G., & Stanislaw, H. (2005). A comparison of intensive behavior analytic and eclectic treatments for young children with autism. Research in developmental disabilities26(4), 359-383.

³ National Autism Center. Findings and conclusions: National standards project, phase 2. Randolph, MA: Author. 2015 Disponível em: https://www.nationalautismcenter.org/national-standards-project/

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